Blog do Boleiro

Vasco planeja cursos técnicos para evitar atletas à margem da sociedade

Luciano Borges

Paulo Angioni, executivo de futebol do Vasco da Gama, está formatando um projeto para preparar os garotos da base do clube carioca, caso não se tornem jogadores profissionais. A ideia é montar no clube cursos profissionalizantes. São escolas técnicas que, além do currículo obrigatório do ensino fundamental e médio, vai ensinar ofícios. ''O atleta que para pelo caminho fica marginal na sociedade. É preciso preparar estes jogadores da base com uma profissão que o coloque no mercado de trabalho'', disse ao Blog do Boleiro.

Em quase 40 anos de carreira no futebol, Angioni vem acompanhando o destino de centenas de jovens que passaram pelas divisões inferiores dos clubes onde trabalhou (Vasco, Flamengo, Fluminense, Corinthians, Palmeiras e Bahia). Ele acompanhou o drama de jogadores que começaram como grandes promessas e que nem chegaram a ter uma carreira profissional. Muitos foram para o mercado de trabalho sem nenhum preparo ou formação em outra atividade.

O projeto deve ser instalado ainda neste ano. Angioni quer antes formular uma proposta que possa atrair parceiros e investidores.

Hoje, além do Vasco da Gama, Paulo Angioni organiza debates e cursos de coaching para profissionais do futebol e do esporte olímpico. Ele desenvolveu o conceito de que todo treinador, preparador físico e outros profissionais precisa estar em contato com o novo. ''Um novo conceito, uma nova visão de vida, um novo profissional, enfim, uma visão atualizada. O esporte não pode ser só 99% empírico'', disse.

Blog do Boleiro – Como surgiu a ideia dos cursos profissionalizantes?
Paulo Angioni – Ela vem de muitos anos na minha cabeça, em função do que a gente vê no futebol. Há um desperdício grande de pessoas no futebol. Alguns jovens da base são aproveitados nos times de cima e outros ficam pelo caminho. Estes que não vingam vão para a vida sem uma formação de trabalho, sem uma formação que garante um futuro no mercados e trabalho. É preciso que eles tenham uma cidadania. Ele não pode ficar à margem da sociedade.

O Vasco da Gama comprou a ideia?
Recebi o apoio do vice-presidente de futebol José Luis Moreira e do presidente Eurico Miranda, que entenderam a preocupação social deste plano. Vamos atrás de um projeto incentivado via Lei de Incentivo do Esporte. O Vasco pode oferecer alguns cursos profissionalizantes para jovens da base a partir dos 16 anos. A gente quer oferecer cursos profissionalizantes para que o atleta não fique à margem da sociedade.

Em que estágio está o projeto?
Estamos num primeiro momento desenvolvendo e formatando projetos incentivados. A partir da aprovação, vamos em busca de quem queira investir  o dinheiro na ideia.

Vocês pretendem fazer parcerias com colégios técnicos?
É um possibilidade. Talvez com Sesi, Senai e Senac. Mas seria melhor, através da lei de incentivo, formar núcleos dentro do clube. A entrega destes garotos nos treinamentos é muito grande. Seria melhor eles estudarem dentro do Vasco. Isso facilitaria bastante até para que a gente faça o monitoramento destes meninos. Haveria uma obrigatoriedade na base, quando estes adolescentes começam sua formação como homens. Assim, quando eles tiverem 18, 19 anos, já terão uma formação.

É uma faixa onde os atletas já estão jogando no time de cima.
Esta é a fase que chamo de transição. Ali, se perde muitos juniores. De 20 que vão direto para o profissional ficam 10. Destes 10, uns três serão realmente aproveitados e os outros sete vão ficar vagando por aí, sem saber o que fazer. A transição não é fácil. Está sendo discutido a criação de competições Sub-23 e Sub-20 para deixar estes jovens em atividade.

Começa uma falta de perspectiva.
O jogador vai perdendo o estímulo, até mesmo a disposição para continuar aprendendo. Jogador não aprende só treinando. Ele aprende jogando.

O Vasco da Gama cobra escolaridade dos garotos da base?
Sim. Existe um colégio dentro do Vasco da Gama que administra cursos regulares do ensino fundamental e médio.

Você acha que os pais vão gostar da ideia? Muitos apostam apenas na carreira de jogador e alguns param até de trabalhar na esperança de ter um Neymar em casa que vá deixar todos bem de vida.
Isso acontece mesmo. É um conflito social, um envolvimento da família do garoto muito grande. Cria-se uma expectativa enorme. Antes, era só o menino que ia treinar e tentar se manter na escola. Hoje, as famílias estão estruturadas ao redor da possibilidade futura do talento. Os pais entendem que precisam acompanhar a carreira do filho até porque o jogador que desponta com 16 anos, quando pode ter um contrato, a remuneração já é bem maior.

Tem pais que viram profissionais do filho.
Isso acontece muito com garotos com um pouquinho mais de sucesso. Os pais também deixam a própria profissão para administrar a carreira do filho. Mas futebol não é exato. Não dá para imaginar o que vai ser no futuro. Muitos meninos talentosos param no meio do caminho.

Voltando aos cursos profissionalizantes, você já tem ideia de quais poderiam ser ministrados no Vasco?
Ainda estamos elaborando a ideia. A princípio, podemos proporcionar cursos de informática, que tem bom mercado, ensinar idiomas, segurança do trabalho também e outros cursos profissionalizantes. Estamos vendo.

Essas aulas que cobrem o currículo formal e ainda ensinam profissão, ajudariam também no desempenho dos garotos em campo?
Esta pergunta foge um pouco da ideia do projeto, mas o que acontece? O futebol tem três valências importantes: técnica, saúde e inteligência. Se não tem saúde, mas tem técnica e inteligência, o garoto não vai jogar. Se não tiver inteligência, mas tiver saúde e muita técnica, dá para jogar. Sem técnica, com saúde e inteligência, fica mais difícil. Agora, inteligência vai ajudar muito na educação tática. É importante ter boa leitura do que ocorre no campo. O ideal é ter as três valências.

O técnico Osvaldo de Oliveira aponta a déficit educacional do Brasil como um fator de dificuldade para se achar atletas que captem ordens ou o jogo mais rapidamente.
A educação ajuda. Condiciona o indivíduo a raciocinar, a pensar. É um exercício para o raciocínio.

Hoje, temos jogadores que terminam o curso universitário.
Mas são poucos, até porque no profissional, com a quantidade de jogos, fica difícil. Por isso, a ideia do curso profissionalizante. Volto a dizer. O futebol produz muitos seres humanos que ficam marginais à sociedade. É difícil pensar que eles sairão do futebol sem um futuro, uma ocupação.