Blog do Boleiro

Na Ucrânia, ex-corintiano conta porque foi barrado por clubes brasileiros

Luciano Borges

Durante quase onze meses, Betão ficou sem mercado para jogar futebol no Brasil. Ele tentou: falou com dirigentes, procurou clubes e cuidou da forma física. Não adiantou. Depois de uma passagem pela Ponte Preta no segundo semestre de 2013, o zagueiro formado no Corinthians descobriu que ser agente livre é enfrentar uma barreira intransponível.. ''Se você não faz parte dos 'grupos de investimento' ou se o seu empresário não for alguém influente, realmente fica mais difícil conseguir oportunidades. Muita gente achava que eu ainda estava na Europa'', disse em entrevista ao Blog do Boleiro.

O currículo de Betão é de respeito. No Brasil, ele ganhou o Torneio Rio-São Paulo e a Copa do Brasil de 2002. Foi campeão paulista de 2002 e brasileiro em 2005. Foi homenageado em 2007, quando completou 200 jogos com a camisa do Corinthians. Era ídolo da Fiel. Mas fez parte do time que caiu para a Série B no final do ano e perdeu prestígio. Foi para o Santos no início de 2008 e disputou a Copa Libertadores da América.

Na mesma temporada, o zagueiro central foi para a Ucrânia jogar no Dinamo de Kiev. Lá, atuou nas quatro posições da defesa e ainda jogou como volante. Foram 215 jogos, quatro edições da Liga dos Campeões da Europa, um título nacional e dois da Supercopa da Ucrânia. Nas cinco temporadas que passou em Kiev, ele teve dois filhos. Quis voltar ao Brasil, mas primeiro foi emprestado ao Evian e disputou a final da Copa da França contra o Bordeaux. O time de Betão foi derrotado por 3 a 2, com o terceiro gol marcado no minuto final.

Na sequência, Betão veio jogar na Ponte Preta. Não andou bem. O time campineiro foi rebaixado para a Série B. E, no final de 2013, ficou livre para arrumar outro clube. Em outubro do ano passado, ele entrou em contato com o Dinamo e perguntou se o clube teria interesse em contar com ele de novo. O contrato vale até o final da temporada. Ele ainda é reserva. Ingressou numa equipe que é líder do campeonato ucraniano.

Neste domingo, a família do jogador chega do Brasil em Kiev. Betão aperfeiçoou o talento de chefe de cozinha, uma atividade que adotou há anos para compensar a solidão. Está agora pensando em estudar para ser executivo do futebol. É uma das opções para o atleta de 31 anos que já se preparar para quando parar de jogar.

Blog do Boleiro – Betão quanto tempo você ficou parado aqui no Brasil?
Betão –Meu último jogo pela Ponte foi dia 8 de dezembro de 2013. Jogamos contra o Internacional, em Caxias (RS) pela última rodada do Campeonato Brasileiro. Fui o capitão do time. Cheguei em Kiev para começar a treinar no Dinamo no dia 31 de outubro do ano passado.

Como foi sua passagem pela Ponte Preta?
Não foi da maneira que esperava. A intenção era poder fazer um bom campeonato brasileiro para abrir outras portas no Brasil ou até mesmo prorrogar meu contrato com a Ponte. Porém, cheguei sem tempo para fazer a pré-temporada. Fiquei fisicamente abaixo do grupo que já estava em meio de temporada. Não consegui ter uma grande sequência de jogos.

Ficou difícil encontrar outro clube para jogar no Brasil? Como foi esta espera, essa procura?
Claro que não foi boa, pois não estava nos meus planos ficar parado todo o tempo que fiquei. A dificuldade aconteceu principalmente porque a maioria das pessoas acreditavam que eu tinha voltado para a Europa. Até mesmo quando eu participava de alguns programas de televisão, os próprios entrevistares ficavam surpresos quando eu dizia que estava sem clube.

O que você acha que provocou esta falta de informação?
Outro fato é, que estou cuidando da minha carreira sozinho e sem empresário  ''a propaganda diminui'' (risos). Cheguei a conversar com três treinadores no Brasil, porém não era o que queria para o momento. Tendo empresário, na maioria das vezes acaba facilitando as negociações. E quando você não tem, as pessoas criam um monte de questionamentos a respeito: ''Porque está sem agente?'', ''O que será que aconteceu'' . Houve especulações para voltar para Europa. Os contatos não se concretizaram.

Neste tempo, mais de dez meses, como você manteve a forma?
No início, trabalhei com o Fabrício Pimenta, preparador físico do Corinthians. Treinei no Parque Ceret e na academia do prédio, mas depois continuei os trabalhos sem ele. Mas não jogar por muito tempo vira um problema. Como alguém já disse: ''É preciso ser visto para ser lembrado''.

No final, como você avalia esta passagem pelo Brasil?
A princípio fiquei feliz em voltar ao Brasil depois de cinco anos. Senti evolução no sentido tático das equipes e isso é uma coisa que me fascina. Mas o futebol brasileiro ainda tem muito a evoluir de modo geral: estrutura, organização, calendário etc. O futebol no mundo infelizmente virou totalmente negócio. E isso não acontece no Brasil. É muito claro. No meu ponto de vista é o que  atrapalha, e muito, a evolução da modalidade. O imediatismo joga contra o futebol brasileiro. Desde querer o resultado imediato de uma jovem promessa até julgar a história de um jogador vitorioso por causa de um momento ruim. Hoje em dia no futebol brasileiro, se você não faz parte dos ''grupos de investimento'' ou se o seu empresário não for alguém influente, realmente fica mais difícil conseguir oportunidades.

Quando você decidiu tentar a volta para o Dinamo?
Em outubro. Como eu mesmo estou cuidando da minha carreira, entrei em contato com o clube para saber se eles tinham interesse em meu retorno. Tive uma resposta positiva quase que imediata. Falei com eles na sexta-feira e na terça eles me enviaram as passagens. Aqui é um lugar que eu tenho história. Eles respeitam muito isso. Tenho mais de 200 jogos com a camisa do Dinamo. Tenho títulos aqui, disputei três Ligas dos Campeões, cinco Ligas Europa. Tenho muito respeito de todos aqui. Acredito que isso acontece por eu ser muito profissional. Isso facilitou muito meu retorno.

Mas ainda está mais na reserva e brigando por vaga no time titular.
Não estou jogando como titular. O time está muito bem. Está liderando o campeonato com sete pontos a mais do que o Shakhtar, segundo colocado. Até agora, só sofreu  sete gols no campeonato todo. Além disso, a equipe está nas quartas de final da Liga Europa. Não tem porque o treinador me colocar como titular no momento. Peguei o bonde andando e por isso não posso sentar na janelinha (risos). Hoje estou feliz aqui, porque é muito bom voltar a fazer parte de um grupo, estar em lugar que te respeitam e que as pessoas gostam de você.

Como está o ambiente em Kiev por conta do conflito entre Ucrânia e Rússia?
Aqui em Kiev não mudou nada, não se nota a guerra por aqui. A economia do país e os comentários do dia a dia são as coisas perceptíveis do que está acontecendo. Inclusive nos estádios, as torcidas têm uma música com letra que ofende o presidente russo Vladimir Putin. No fim do ano passado, os camelôs vendiam papel higiênico com o rosto do presidente russo estampado. Mas fora isso, aqui na nossa cidade não se percebe que o país está em guerra.

Depois de encerrar a carreira, o que você planeja fazer? 
Não tenho nada concreto na minha mente, mas tenho algumas opções que passam pela minha cabeça. Executivo do futebol é uma delas. Gosto bastante dessas coisas dos bastidores do futebol. Acredito que, com o tempo, poderei acrescentar algo para o futebol. Não sou muito fã do trabalho de campo como treinador. Como auxiliar pode até ser, pois gosto muito de análises táticas. Penso também em gerenciar carreiras de atletas. Acredito que para isso já tenho experiência suficiente. E outra opção que vem bastante à minha cabeça é ir para área do jornalismo televisivo ou escrito. Gosto de falar, gosto de escrever, enfim, gosto de trocar idéias.