Jogadores aprovam MP do governo e criticam Fairplay trabalhista da CBF
Luciano Borges
A MP do governo para refinanciamento das dívidas dos clubes de futebol foi bem recebida pelos jogadores. Embora ainda tenha que ser votado na Câmara dos Deputados e no Senado, o texto atende às reivindicações do Bom Senso FC quando obriga as agremiações a apresentarem auditorias regulares onde terão que provar que estão em dia com as obrigações trabalhista, contratuais e previdenciárias. Assim, os atletas não terão que denunciar os mau pagadores.
O problema é que, para o Campeonato Brasileiro deste ano, fica valendo o ''FairPlay trabalhista'', adotado pela CBF.
No artigo 18 do Regulamento da Competição na Série A (valendo para a B e C), o clube que atrasar salários poderá perder pontos (três) por partida enquanto perdurar a inadimplência. No primeiro parágrafo, está determinado que caberá ao atleta prejudicado comunicar o STJD que não está recebendo. Ele pode fazer fazer a denúncia pessoalmente, através de um advogado ou via sindicato.
É este item que incomoda os atletas.
''Fica uma situação ruim para o jogador. A chance dele denunciar é quase nula. Ele vai reclamar, o time perderá três pontos e ele vai ter que correr para recuperar estes pontos. Sem falar que pode ficar visado pela torcida'', diz o goleiro Fernando Prass, 36, do Palmeiras. ''O certo é a CBF obrigar os clubes a apresentarem um documento em que prova que está em dia todos os meses'', propõe.
O atacante Luis Fabiano, 34, do São Paulo, é mais incisivo. ''Essa regra foi feita para não ser usada'', cravou. Ele prevê várias situações onde o atleta viveria dilemas. ''Imagine que o time dele está numa final e não paga salários. Ele vai denunciar e correr o risco de prejudicar o time? E se ele estiver emprestado a uma equipe, recebendo parte do salário de outro clube. Este dono dos direitos atrasa o pagamento, ele vai denunciar?'', pergunta.
Em conversa com o Blog do Boleiro, o atacante tricolor lembrou do período em que jogou no Sevilha, Espanha, de 2005 a 2011. ''Lá, a Federação Espanhola e o sindicato dos atletas monitoram os clubes e tem punição prevista. Luis Fabiano recebia o salário anual da seguinte forma: todo mês, o Sevilha depositava uma ajuda de custo de 15 mil euros. Nos primeiros seis meses, o clube pagava 25% do total. E ao final da temporada, em maio, ele recebia um cheque com os 75% que faltavam. Do total combinado, era descontada a ajuda de custo. O cheque só poderia ser descontado 60 dias depois, em julho. ''Você até poderia sacar o cheque no banco que tem a conta do clube, mas aí você pagaria 5% do valor para o banco'', disse.
Na França, onde o meia Michel Bastos jogou de 2006 a 2013, pelo Lille e pelo Lyon, o atleta não precisa denunciar o clube porque a Federação Francesa de Futebol fiscaliza se as equipes estão em dia. ''Eles têm que apresentar o orçamento da temporada e se tiver irregularidade, o clube pode ser rebaixado'', falou o autor do gol da vitória do São Paulo sobre o San Lorenzo, na noite desta quarta-feira.
Michel acha ''complicado'' determinar que o jogador denuncie o atraso de salários. ''Ela vai ficar com uma imagem ruim'', disse.
Valdomiro, 35, é zagueiro da Portuguesa desde 2012. Em 2015, ele já recebeu salários de janeiro e fevereiro. Mas o clube lhe deve sete meses do ano passado, incluindo aí os direitos de imagem. Ele não deixou a Lusa, como outros atletas que estão na mesma situação. ''Não deixei porque a torcida gosta de mim. Eu ainda tenho como viver mesmo sem estes salários, porque guardei alguma coisa'', disse lembrando dos seis anos em que jogou pela Europa e mundo árabe. Por outro lado, ele critica a CBF pelo texto do ''FairPlay trabalhista'': ''Ela está passando para o jogador uma tarefa que seria dela. É só obrigar os clubes a mandarem um papel provando que estão pagando em dia todo mês'', falou referindo-se ao que está previsto na MP do governo.
''Do jeito que a CBF quer, vai expor o jogador. Imagine um garoto de 20 anos que vai lá e denuncia. Ele fica queimado no clube, com a torcida e corre o risco de nenhum outro clube querer contratá-lo'', disse. ''A CBF não quer ter trabalho'', completou.
Mas há quem concorde com a regra do jogo da CBF.
O lateral corintiano Fábio Santos, 29, comemorou o texto da MP assinado nesta quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff. ''Valeu a pena a gente ter brigado por isso'', disse. Quando perguntado sobre a versão CBF de FairPlay, ele disse: ''Tem que fazer a denúncia. Só assim vamos mudar alguma coisa. Ainda falta coragem dos jogadores para a gente ver na prática como isso vai ficar. Acho que o torcedor tem que saber e entender isso. Mas também não deve ser por um só salário''.
Isto vale para quase todos os atletas ouvidos pelo Blog do Boleiro. O volante Gabriel, do Palmeiras, ainda está tentando receber o que o Botafogo deve. ''Esta pendência ainda está rolando. Meus empresários estão negociando com o clube. Mas até agora, o Botafogo não quis acordo. Jogador é trabalhador como vocês da imprensa ou como qualquer outro. É muito ruim ficar sem receber. Por isso acho que tem que denunciar mesmo. Só assim a administração dos clubes vai melhorar'',falou.
No elenco atual do Palmeiras, alguns atletas estão cobrando os atrasados de clubes por onde passaram. Além de Gabriel, o lateral Lucas jogou no Botafogo que atrasou salários em quase um ano. O volante Arouca deixou o Santos porque não recebia. E foi recebido por torcedores santistas, no clássico entre Palmeiras e Santos na Vila Belmiro, com vaias, moedas e o grito de ''mercenário''. Robinho também teve dificuldades para ganhar em dia no Coritiba.
O próprio Fernando Prass começou a receber a dívida trabalhista do Vasco da Gama depois que Eurico Miranda assumiu a presidência do clube carioca. ''Ele propôs o acordo e está pagando'', disse. O São Paulo ainda está quitando os atrasados com o elenco que tem Luis Fabiano e Michel Bastos entre os titulares.
Até a aprovação da MP e ela se tornar lei, fica valendo o regulamento da CBF. Ele é igual ao adotado pela Federação Paulista de Futebol há dois anos. Neste tempo, poucas denúncias. Nenhuma partiu de um só jogador. A maior ação foi movida pelo Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo, representando 18 atletas.
Leia abaixo o texto do FairPlay trabalhista da CBF:
Regulamento Específico da Série A (a ser utilizado também nas séries B e C)
''Artigo 18 – O Clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante a competição, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
Parágrafo 1º – Ocorrendo atraso, caberá ao atleta prejudicado, pessoalmente ou representado por advogado constituído com poderes específicos ou, ainda, por entidade sindical representativa de categoria profissional, formalizar comunicação escrita ao STJD, a partir do início até 30 (trinta) dias contados do encerramento da competição, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de reclamação trabalhista, caso a medida desportiva não surta efeito e o clube permaneça inadimplente.
Parágrafo 2º – Comprovado ser o Clube devedor, conforme previsto no caput deste artigo, cabe ao STJD conceder um prazo mínimo de 15 (quinze) dias para que o Clube inadimplente cumpra suas obrigações financeiras em atraso, de modo a evitar a aplicação da sanção de perda de pontos por partida.
Parágrafo 3º – A sanção a que se refere o caput deste artigo será sucessiva e cumulativamente aplicada em todas as partidas da competição que venham a ser realizadas enquanto perdurar a inadimplência.
Parágrafo 4º – Caso inexista partida a ser disputada pelo Clube inadimplente quando da imposição da sanção, a medida punitiva consistirá na dedução de três (3) pontos dentre os já conquistados na competição.
Parágrafo 5º – Caso não haja Lei específica sobre este tema, a regra aprovada à unanimidade pelos 20 clubes da série A, em reunião do Conselho Técnico datada de 2 de março de 2015, valerá a partir do início da competição até 30 (trinta) dias após o seu término, não se considerando débitos trabalhistas anteriores e posteriores.
Parágrafo 6º – Esta norma é aplicável sem prejuízo do disposto no artigo 66A do RNRTAF – Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol, resultante de regra vinculante e obrigatória da FIFA, conforme circular nº 1468/2015, de 23/02/15.”