Sócio de Del Nero, deputado diz que MP não sairá do Congresso como entrou
Luciano Borges
A Medida Provisória que define o refinanciamento da dívida fiscal dos clubes de futebol já está em vigência. Enquanto isso, a Câmara Federal e o Senado terão 120 dias para estudar, aprovar ou emendar o texto elaborado pela Casa Civil com ajuda de uma comissão que contou com representantes dos clubes, jogadores (Bom Senso FC), sociedade civil e parlamentares. É no mundo dos gabinetes do Congresso que a MP pode sair modificada, atendendo aos interesses dos clubes e da CBF. ''O projeto jamais sairá como entrou no parlamento'', disse o deputado federal Vicente Cândido, do PT de São Paulo, que é sócio de um escritório de advocacia de Marco Polo Del Nero, presidente da Federação Paulista de Futebol que assumirá a presidência da CBF no próximo mês.
Para os executivos do Bom Senso, o deputado lidera a Bancada da Bola e pressiona para livrar a Confederação Brasileira de Futebol das mãos do governo. Além disso, as contrapartidas previstas na MP, mais duras do que querem os clubes, também serão alvo de tentativas de mudanças.
O Blog do Boleiro conversou com Vicente Cândido. Ele confirmou a disposição de preservar a CBF e de aliviar algumas exigências para os clubes que aderirem ao refinanciamento. Entre elas, a determinação do fim da reeleição indefinida. Cada dirigente só poderá cumprir dois mandatos se quiser receber verba pública. A exigência de que os clubes utilizem até 70 por cento de suas receitas, no máximo, para o pagamento de salários, também será alvo da Bancada da Bola.
Veja abaixo a conversa com o deputado federal Vicente Cândido:
Blog do Boleiro – A MP já está valendo e o Congresso tem 120 dias para aprová-la. O senhor acha que o texto do governo será mantido?
Dep. Vincente Cândido – O projeto jamais sairá como entrou no parlamento. Temos várias ideias e gente nova com sugestões para enriquecer a MP. Na discussão do Pró-Forte (projeto de lei 2501-2013) já tínhamos colocado uma emenda global que deverá ser adicionado ao texto da Medida Provisória. Essa emenda global é fruto de dois anos de debates entre parlamentares, dirigentes de clubes e representantes dos jogadores.
O que esta emenda traz de diferente da MP?
Um item é a criação de novas fontes de renda, como uma nova loteria. Esses recursos podem ajudar o Ministério do Esporte na política de fomento e formação de atletas. Para os clubes, esses recursos ajudariam no investimento na base e também no futebol feminino. Outro ponto da emenda é que ela está rescrevendo o conceito de Desporto Educacional. Temos um caso envolvendo o Cruzeiro que ilustra este tema. O clube tinha um garoto de 12 anos que, depois das aulas, treinava na base do futebol. O ministério Público do Trabalho multou o clube por utilização de mão de obra infantil. Ou seja, se um garoto não estiver no Sesi ou outra escola com curso de esporte estruturado, ele não vai poder desenvolver o talento dele.
O que a emenda global propõe?
Os clubes brasileiros já tem um papel de extensão do sistema educacional brasileiro. O texto diz que a partir dos oito anos de idade, a criança poderá ter vínculo esportivo – repito, esportivo – com os clubes. No geral, um adolescente só vai definir o que quer ser ou estudar depois dos 16 anos. No futebol, o talento nasce com a pessoa. É preciso que o Ministério Público do Trabalho tenha outra interpretação e veja que o esporte pode fazer parte da educação deste talento do futuro. E temos ainda um terceiro dispositivo que limita o papel dos empresários de jogadores.
O que está previsto?
O papel destes empresários será limitado. Ele não terá mais domínio do jogador. O que acontece hoje? O clube forma o jogador e não pode ter contrato com ele até os 16 anos. O aprendiz pode trabalhar dos 14 aos 16, mas esta lei não se aplica no caso do futebol. Hoje, os empresários monitoram as crianças, de olho nos talentos. Aí ele faz um contrato informal com os pais. Ele ajuda a montar a casa, dá a mobília e outros favores aos familiares. Quando o menino chega aos 16 anos e o clube vai assinar o primeiro contrato, o empresário já vendeu os direitos econômicos dele para clubes da Europa, ganhando em euros, ou mesmo no mundo asiático, faturando em dólares. Coma criação de novas fontes de renda, com já citei, será possível ajudar o clube formador.
Em dezembro do ano passado, o senhor apresentou uma emenda ao PL 2501, onde exclui a CFB do artigo 18-A da Lei Pelé. Nele, uma entidade do Sistema Nacional do Desporto só recebe recursos federais se seu presidente ou dirigente máximo tenha o mandato máximo de quatro anos, sem reeleição. Esta é uma das mudanças que os parlamentares podem fazer na MP?
Sim. Eu entendo que o 18A serve para os clubes que vão aderir ao refinanciamento. Vale para quem vai se beneficiar da MP e não para quem não se enquadra porque não tem dívida nem fiscal, nem trabalhista nem do FGTS. A CBF não tem dívidas, portanto não se enquadra. O Bom Senso FC quer porque quer enquadrar a CBF no 18A. Cheira quase a perseguição do futebol. O Estado não está exigindo mandato máximo de quatro anos de órgãos da mídia, de igrejas, sindicatos, das Santa Casa. Inclusive, o orçamento aprovado para 2015 destina R$ 800 milhões para fomento dos partidos políticos que podem ter o mesmo presidente vários anos.
O senhor concorda com esta continuidade?
Acho estranho porque esta exigência só no futebol. Que eu saiba, não existem clubes com mandatos indefinidos. A própria CBF vai acabar aprovando a limitação de mandatos. Aliás, a própria Fifa deve caminhar neste sentido nos próximos dias. Acho esta medida descabida. Mas veja: eu sou fundador do Partido dos Trabalhadores e participei da elaboração do estatuto que limita o número de reeleições. Sou conselheiro do Corinthians e lá também não temos reeleição. Eu sou a favor, mas não gosto desta intervenção do Governo.
Por quê?
Porque contraria o artigo 217 da Constituição Federal que determina a autonomia das instituições. Depois, a nível de esporte mundial, esta intervenção nos clubes e associações pode trazer problemas. Isto aconteceu na Índia e o país foi excluído de eventos do Comitê Olímpico Internacional. A Fifa também não aceita qualquer tipo de intervenção governamental nas entidades filiadas e pode punir também.
O que mais pode ser alterado no texto da Medida Provisória?
Acho exagerada a exigência de que os clubes publiquem mensalmente um balanço. Eles já fazem balanços trimestrais e contratam auditorias externas. Esta é uma das regras de contrapartida que, no novo projeto, poderão ser mais amplas, com inclusão de outras. A emenda global é fruto de dois anos de discussão e maturação de ideias. Mas há controvérsias e muita coisa feita de acordo com o Bom Senso.