Blog do Boleiro

Mordida de cachorro. Herói dos Andes. Livro conta histórias da Libertadores

Luciano Borges

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Em 55 anos de existência, a Copa Libertadores da América acumula histórias e episódios anedóticos que mostram como o torneio espelha a cultura da América do Sul e a desorganização da Conmebol. O episódio recente do gás de pimenta atirado nos jogadores do River Plate, no intervalo do jogo contra o Boca Junior, no estádio La Bombonera (Bueno Aires) é mais um ''causo'' a ser contado na trajetória de um torneio idealizado pelo brasileiro José Ramos de Freitas, ainda em 1958, quando era presidente da Conmebol.

A Confederação Sul-Americana de Futebol demorou para definir a punição ou não ao Boca?

Nada diferente do que aconteceu em 1961, quando os dirigentes do Jorge Wilstermann (Bolívia) e Independiente Santa Fe (Colombia) tiveram que decidir como fazer uma terceira partida, depois de uma vitória para cada um nas quartas de final. As equipes estavam empatadas em pontos e gols. Tudo sem participação da Conmebol.

O terceiro confronto foi marcado para Bogotá e até o nome do árbitro, o argentino Luis Ventré, foi escolhido de comum acordo. Mas na hora de falar dos custos financeiros deste terceiro jogo, o acerto azedou. O Jorge Wilsterman pediu 10 mil dólares para cobrir a estadia em Bogotá. O Santa Fe ofereceu 8 mil. As duas partes se mantiveram irredutíveis.

Assim, o Santa Fé passou para a semifinal no sorteio. Dois pedaços de papel, cada um com o nome de um dos adversários, foram colocados dentro de um chapéu e Eduardo de Castro, único representante da Conmebol na conversa tirou o nome do classificado. O Santa Fé disputou a semifinal e foi eliminado pelo Palmeiras que, por sua vez, perdeu o título para o Peñarol.

O Blog do Boleiro leu este e outros 49 episódios contados no livro ''50 Grandes Historias da la Copa Libertadores'' (, escrito pelo jornalista colombiano Alberto Pérez López, em 2009. Entre grandes personagens, torcedores fanáticos, narradores da rádio que entraram para a história do futebol continental, López relata fatos que mostram como a Libertadores da América não conseguiu escapar do folclore nos seus mais de 50 anos de vida.

O Blog do Boleiro separou três delas para contar. Leia.

A MORDIDA NO GOLEIRO DO BOCA

Em 22 de maio de 1991, no estádio Nacional do Chile, Jogavam Colo Colo e Boca Juniors pela partida de volta das semifinais da Libertadores. O árbitro foi o brasileiro Renato Marsiglia. Na ida, o time argentino tinha vencido por 1 a 0. O Colo Colo precisava fazer uma diferença de dois tentos para ir à final. E sofreu. Só aos 20 minutos do segundo tempo, Rubèn Martinez fez 1 a 0 e, aos 22, Barticciotto ampliou. LaTorre diminuiu para o Boca e ainda comemorou na cara do goleiro Daniel Morón, que engoliu a provocação.

No placar agregado, a parada estava empatada em 2 a 2 e a decisão iria para as penalidades máximas. Mas aos 37 minutos, Patrício ''Pato
'' Yañez apareceu na frente no arqueiro Navarro Montoya e, com um toque de esquerda, marcou o terceiro do Colo Colo. Foi aí que começou a confusão.

Os argentinos do Boca reclamaram impedimento. Os jogadores entraram na roda. Houve empurrões e pontapés. Até os repórteres de campo foram envolvidos na briga. Os soldados do Corpo de Carabineros entraram no gramado para colocar ordem na bagunça. O cabo Veloso soltou o comando da correia que segurava o pastor alemão Ron. E o cão fez o que foi treinado para fazer: mordeu a nádega esquerda de Montoya com vontade. A confusão parou. E a torcida do Colo Colo aplaudiu a ação do cachorro.

O comandante da Escola de Adestramento Canino de Santiago, Guillermo Benitez deu entrevistas dizendo que Ron era um animal amistoso e brincalhão e que não havia motivo de orgulho na mordida no goleiro do Boca. O jogo acabou 3 a 1. O Colo Colo se classificou. E, na decisão contra o Olímpia, do Paraguai, levou o título de campeão.

Ron ganhou tratamento de herói nos jornais do dia seguinte e mesmo nas edições noturnas. Ele morreu seis anos depois e está enterrado ao pé do monte San Cristóbal, com direito a lápide e tudo mais.

O HERÓI QUE GANHOU A TORCIDA, MAS NÃO O JOGO

Montevidéu, Uruguai. 6 de junho de 1973. Final da Copa Libertadores entre Independiente da Argentina e Colo Colo, do Chile.  No primeiro confronto, em Avellaneda, houve empate (1 a 1). Em Santiago, outro placar igual (0 a 0). A terceira e decisiva partida foi para a capital uruguaia.

Os dirigentes da equipe chilena tiveram a ideia: levar o pastor de ovelhas Sérgio Catalán Martinez para o estádio Centenario. Afinal, Sérgio era um herói para os uruguaios.

O chileno do povoado de Los Maitenes, um povoado no lado do Chile da cordilheira dos Andes, foi quem encontrou três jogadores da equipe de rugby Old Christians, sobreviventes do acidente com o avião Fairchild F-227, da Força Aérea Uruguaia, que caiu a mais de quatro mil metros de altura na neve da cadeia de montanhas mais famosa da América do Sul.

O fato ocorreu em 13 de outubro de 1972. A equipe uruguaia de rugby viajava para enfrentar os Old Boys, de Santiago (Chile). Das 45 pessoas que estavam a bordo, 17 sobreviverem a mais de dois meses (72 dias) da fome, frio e do desespero. Três atletas decidiram, em dezembro, deixar o que restou do avião e procurar ajuda. Quem os encontrou foi o pastor de ovelhas. O resto é história contada em livros e três filmes.

O Colo Colo convidou e Sérgio aceitou. Ele viajou com a delegação do time até o Uruguai. Antes da partida, entrou em campo e foi homenageado por cerca de 50 mil espectadores, muitos em lágrimas. O estratagema para atrair o apoio dos torcedores locais deu certo. O time do Colo Colo, que tinha Carlos Caszely no ataque (artilheiro do torneio com 9 gols), jogou como dono da casa.

Mas perdeu. Na prorrogação, o Independiente fez 2 a 1 e saiu campeão do Centenario. Sérgio Catalán Martinez ainda voltou ao Uruguai em outras ocasiões, convidado pelo sobreviventes da tragédia dos Andes.

GALINHAS EM CAMPO, RIVER CAMPEÃO

O time do River Plate ganhou o apelido de ''Galinha'', dado pelo adversários do Boca Juniors. A provocação é óbvia: a equipe conhecida por ser da elite portenha treme em decisões. Não há nada que deixe o torcedor mais irritado do que ser chamado de ''Galina''. Nem mesmo spray de gás de pimenta nos olhos dos jogadores. Ou um drone levando o fantasma da Série B até o setor ''riverista'' de La Bombonera.

A fama do apelido ultrapassa fronteiras. E nas guerras da Libertadores, os torcedores do América de Cali, Colombia, capricharam. Na edição de 1986, no jogo de ida da final, os colombianos colocaram cerca de 20 galinhas no gramado bem na hora em que o River Plate entrou em campo. 

Só que a provocação deu mais ânimo ao time argentino, que saiu de Cali com uma vitória por 2 a 1. No jogo de volta, no Monumental de Nuñes, o River repetiu a dose, bateu o America por um a zero, e se sagrou campeão.