Em 1990, CBF e Traffic fizeram 1° negócio e ele corroeu a seleção de 90
Luciano Borges
A crise que culminou com o indigitamento ou prisão de 11 dirigentes ligados à Fifa, Conmebol e Concacaf acontece no ano das bodas de prata da relação de negócios entre o empresário J. Hawilla e o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Há 25 anos, a Traffic intermediou o patrocínio de uma marca de refrigerante para a seleção brasileira que ia disputar a Copa do Mundo de 1990.
E o primeiro negócio da dupla Teixeira-Hawilla causou uma crise que culminou com a pífia campanha do Brasil na Copa do Mundo na Itália, no mesmo ano. Motivo: falta de transparência no negócio.
A CBF teria vendido por US$ 3 milhões o direito do patrocinador colocar sua marca nas camisetas de treino do grupo convocado pelo técnico Sebastião Lazaroni. Além disso, foram instaladas placas ao redor dos campos da Granja Comary, em Teresópolis (RJ), onde fica o CT da Confederação Brasileira. A quantia estava no contrato que, no inicio da preparação, não foi mostrado aos atletas.
Os jogadores, liderados por quem já atuava no futebol europeu e tinha noção do valor dos direitos de arena (Careca, Alemão, Ricardo Gomes e Renato Gaúcho, entre outros), viram o tamanho da exposição na mídia que a Pepsi teria. Eles questionaram o valor estipulado pela CBF para cada atleta. Achavam muito pequena a fatia destinada aos artistas da bola.
O elenco brasileiro pediu a presença do presidente da entidade, Ricardo Teixeira, que se recusou a subir a serra num primeiro instante.
Como represália, os convocados boicotaram a marca do refrigerante na hora da foto oficial da delegação que seguiria para a Itália. Ela foi tirada perto dos alojamentos, no alto de um morro, apenas com a presença de fotógrafos e cinegrafistas. Depois de todo mundo ficar no seu lugar, dois atletas gritaram: ''Agora vamos fazer a foto patriótica''. Todos colocaram a mão direita no lado esquerdo do peito, tapando a marca estampada na camisa.
A foto do boicote saiu nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo do dia seguinte. Na hora do almoço, Teixeira seguiu para Teresópolis e conversou com os jogadores. O clima aliviou depois de um novo acerto de grana para os direitos de arena. Uma parte foi paga no Rio de Janeiro. A outra seria quitada já na Itália.
Mas, dias depois, pouco antes do embarque da delegação para Madrid, onde o selecionado iria enfrentar um combinado de Real e Atlético de Madrid, alguns atletas ouviram de dois funcionários da CBF que o valor do patrocínio era o dobro do que estava no documento apresentado para eles.
Esta foi a grande saia justa que perdurou até a eliminação da seleção brasileira já na segunda fase do Mundial, quando o time foi derrotado pela Argentina de Diego Maradona e Caniggia por um a zero, no estádio Delle Alpi, em Turim.
A desconfiança de que foram enganados por Teixeira corroeu a unidade do grupo. Para se ter uma ideia, já em Asti, onde o Brasil se hospedou em um hotel, os atletas mandaram avisar que o dinheiro do direito de arena seria dividido entre eles e o treinador. E mais ninguém. Parte dos integrantes da comissão técnica não gostou e brigou para que todos recebessem sua fatia. Lazaroni saiu em defesa dos companheiros. Foi hostilizado.
Alguns atletas sabiam que a Copa do Mundo de 1990 seria a última chance deles serem campeões. Eles tentaram fazer um acordo. Mas o clima já estava acirrado e o problema se arrastou até à volta ao Brasil.
O primeiro negócio entre CBF e Traffic começou assim: os números do patrocínio nebulosos, um contrato que já tinha ''dinheiro por fora'' e gente ganhando para realizar a transação. De lá para cá foram 25 anos de negócios que se realizaram fora das fronteiras do Brasil. Jota Hawilla, mediante o acordo de delação premiada, tem muito a contar daqui para frente. A Justiça Americana começou investigando como foi feita a negociação para que os EUA organizassem a Copa América de 2016.
Os investigadores toparam com uma rede de corrupção, caixa 2, propina e outras irregularidades. Elas não param nos onze homens presos.