Gil lidera acesso do Juventus sem concentração e com almoço no rodízio
Luciano Borges
O atacante Gil, 34 anos, chegou na concentração do Juventus às 7h30, no alojamento do estádio da Rua Javari, neste domingo, manhã da partida decisiva contra o Grêmio Osasco. Ele pode. É o único jogador do Moleque Travesso que não precisa concentrar. “Eu moro aqui perto”, disse o atleta mais famoso do time que voltou para a Série A2 do Campeonato Paulista.
No sábado, dispensado pela comissão técnica, Gil passou o dia com a mulher. Almoçou numa churrascaria na zona oeste de São Paulo, onde é frequentador assíduo.
No jogo contra Osasco, ele correu, driblou, deu passes que clarearam quatro ataques. Aos 10 minutos do primeiro tempo, ele acertou um chute forte no travessão. No rebote, Daniel Costa fez um a zero.
Gil ficou em campo os noventa minutos. Participou da jogada do segundo tento do Juventus, também anotado por Daniel Costa. O “hat trick” saiu aos 43 minutos, num chute forte de esquerda. “Foi o gol mais bonito. Os outros dois foram rebote. Mostrei oportunismo”, afirmou Daniel, 25 anos, que já tinha feito três gols na partida contra o Flamengo de Guarulhos e foi o artilheiro do time com 11 tentos..
Como Gil, o artilheiro do dia tem contrato até junho. Os dois querem ficar para a disputa da Copa Paulista de Futebol deste ano, que dá vaga ao campeão na próxima Copa do Brasil. Daniel Costa sabe que Gil é o único atleta do elenco que não concentra. “Ah, ele mora perto. Aqui não tem vaidade. Está tudo certo”, afirmou.
Para Gil, não precisar passar a noite com o resto do time nem é o principal motivo para ele querer continuar na Rua Javari. “Nem mesmo o salário é assim importante. O que eu gosto é o ambiente daqui. Tudo é diferente, mais caloroso”, disse.
Como canta a Ju Jovem, torcida uniformizada, “quem tem arena não vai poder reclamar, já se vendeu”. Jogo na Javari é como uma volta no tempo. Os lugares não são marcados, os banheiros ficam em lugares impossíveis, os vestiários são acanhados, é possível ouvir as preleções dos treinadores antes e no intervalo do jogo.
A principal atração deste domingo foram os canolis (doce italiano recheado com creme de baunilha ou de chocolate) que o “seo” Antonio vende há três décadas. Com os quatro mil ingressos vendidos, ele preparou uma leva de 780 unidades e vendeu cada uma a três reais.
A fila começava na porta do vestiário do visitante, dava a volta no pátio interno. As enfermeiras Cecíli, Tânia e Maria do Carmo perderam o primeiro tempo na fila. E ainda fizeram uma “foto selfie” quando conseguiram comprar dois doces para cada uma. “É para a posteridade”, disse.
Faltando 15 minutos para o final do jogo, os canolis desapareceram. “Vendi tudo”, comemorou “seo” Antonio.
Gil disse que já experimentou esta iguaria italiana que só é vendida na Javari. “É gostoso, mas não sou muito de doce”, falou. Enquanto a turma esperava em fila para comprar um dos quitutes do Antonio, o atacante formado no Corinthians continuou jogando na frente, caindo pelo lado esquerdo.
O jogo terminou com vitória do Juventus por 4 a 1. Os jogadores do time grená subiram o alambrado para comemorar com a torcida. “Aqui tem isso e muito mais. É tudo diferente. Subir na grade é tradição. A torcida foi a primeira a xingar o goleiro adversário quando ele bate o tiro de meta. Você acaba conhecendo torcedor pelo nome. As regras que têm aqui não são as mesmas dos outros lugares”, disse Gil.
Não são mesmo.
O lateral-esquerdo William, do Osasco, que o diga. Ainda na primeira etapa, ele correu na lateral e a bola saiu. Ele correu para bater o lateral e buscou a bola no chão, no espeço de um metro entre a linha e o alambrado. Quando se levantou, levou um “peteleco” ou um “pedala Robinho” na orelha esquerda, desferido por um senhor de cabelo branco, camisa branca do Juventus.
William bateu boca com o agressor. Vários torcedores correram para o canto e passaram a ofender e ameaçar o atleta de 25 anos. “É o que dá campo muito próximo da arquibancada. Fui agredido e nada acontece”, disse depois do jogo. Três soldados da Polícia Militar foram chamado e tentaram localizar o juventino que, depois do bate-boca, foi arrastado para trás, ganhou um par de óculos escuros e um boné para não ser reconhecido.
Resultado: William caiu de produção. “Atrapalha um pouco, não é legal”, reclamou.
Com a vitória e a vaga na Série A2 garantida, a torcida do Juventus deixou o estádio Conde Rodolfo Crespi, foi para os bares da Rua Javari, atrás de esfihas, pedaços de pizza e cerveja.
O presidente Rodolfo Cetertick deu a ordem para que a sede social abrisse os portões para a comemoração. “Nós compramos mil litros de chopp para comemorar”, disse o dirigente.
Foi um dia de faturamento. Cetertick viu de perto a lojinha oficial ficar lotada e vender camisas, bonés, cachecóis e outros objetos como há muito tempo não fazia. O estádio lotou. Os canolis foram todos vendidos.
“O Juventus é um clube sem rejeição, com muitos admiradores. Vamos ver se podemos semear neste campo fértil”, disse referindo-se à busca por parceiros e patrocinadores para tentar manter o elenco atual até o final da temporada. “Estou meio bíblico não? E nem sou assim religioso”, completou.
Gil é um dos jogadores que Rodolfo quer manter. “Ele foi essencial”, disse o dirigente. “Nossa vontade é disputar a Copa Paulista com este grupo, dar mais entrosamento e, quem sabe, voltar à Série A2 com chance de subir mais uma divisão”, falou.
Gil quer ficar. Acha inclusive que o técnico Rodrigo Moraes Santana poderia estender ao grupo esta política de não concentração. “Seria legal se todo mundo pudesse ficar em casa”, afirmou.
Afinal, o grande ídolo da volta à segunda divisão do futebol paulista ganhou até uma musiquinha só para ele. “A, é, i, ó, u…Na Javari vale tudo, só não vale dar o ..”, cantam os jovens juventinos. “Eu falei isso aquela vez no Cruzeiro e agora não estou mais sozinho. Estou falando que aqui não é igual a nenhum outro lugar”, disse rindo.