Um dia, David Bowie convidou a seleção brasileira para um show e levou cano
Luciano Borges
11 de setembro de 1990. Pátio central de um hotel cinco estrelas onde a seleção brasileira estava hospedada em Oviedo, capital da Astúrias, Espanha. Depois do reconhecimento do estádio na cidade de Gijón, o ''Municipal El Molinón'', os jogadores da seleção brasileira estavam descansando.
Quatro deles – o goleiro Velloso, o zagueiro Toninho Cecílio, o atacante Jorginho e o lateral Cafu conversavam, observados na sacada do primeiro andar por um homem magro, cabelo pintado de loiro bem claro, acompanhado de duas cantoras de origem afro.
Era David Bowie que iria se apresentar naquela noite em Oviedo e, no dia 13, no estádio municipal de Gijón.
O time brasileiro era dirigido por Paulo Roberto Falcão e iria disputar o primeiro jogo amistoso depois da campanha fracassada na Copa do Mundo da Itália. A partida foi organizada para comemorar os 75 anos de fundação da Federação Asturiana de Futebol. Falcão levou um grupo renovado para a Espanha.
O repórter brasileiro que estava na roda dos atletas reconheceu o astro do rock e, lá de baixo, mandou um ''Hello, How are You?'' para Ziggy Stardust.
Bowie sorriu, deu um tchau. Ouviu então o pedido, em inglês, vindo do pátio: ''Posso falar com você por dois minutos?''. O líder da banda Tin Machine (já na segunda versão) que andava em excursão há dois anos promovendo os álbuns ''Never Let Me Down'' e ''Sound + Vision'' (uma coletânea de clássicos da carreira desde 1969) fez um positivo. Já na sacada, o homem das notícias esportivas perguntou se Bowie gostava de futebol, se conhecia o futebol brasileiro e se sabia que a seleção brasileira estava no mesmo hotel que ele.
Bowie respondeu não para a primeira, sim (''I know Pelé e Rivellino'') para a segunda e não para a terceira. Ele perguntou em troca se os jogadores conheciam sua música. O repórter garantiu que sim, sem ter a menor certeza. E a conversa terminou ali com o até logo polido de Bowie e o lembrete de que ele iria tocar no Brasil dez dias depois.
Depois, perguntando aos boleiros do Brasil, o jornalista que hoje escreve o Blog do Boleiro constatou que o desconhecimento era mútuo. Poucos sabiam quem era David Bowie
Naquela noite, um assessor do artista chamou o jornalista na recepção e perguntou se os jogadores da seleção gostariam de ver o show de Bowie naquela noite. Ouviu que era impossível tirar os atletas da concentração na véspera do amistoso, mas que o selecionado poderia querer dar uma passada no dia 13, no concerto de Gijón. Ficou combinado então que a lista dos atletas e comissão técnica ficaria num portão que dava acesso aos camarins.
Bowie deixou uma autorização para que os brasileiros entrassem como convidados.
Só houve um pequeno problema: no dia 12, o Brasil foi derrotado pelo time da Espanha por 3 a 0. O primeiro tempo da seleção foi horrível. Os espanhóis Carlos Muñoz, Fernando Gómez e Michel fizeram os gols. A formação titular de Falcão em sua estreia como substituto de Sebastião Lazzaroni na seleção foi esta: Velloso (Palmeiras), Gil Baiano (Bragantino), Paulão (Cruzeiro), Márcio Santos (Novorizontino) e Nelsinho (Flamengo); Moacir (Atlético-MG), Cafu (São Paulo), Donizete Oliveira (Grêmio) e Neto (Corinthians); Charles (Bahia) e Nílson (Grêmio).
Com este time renovado e as entradas de Paulo Egídio (Grêmio) e Jorginho (Palmeiras), Falcão amargou a primeira derrota e, mas na frente perdeu o cargo depois da Copa América de 1991, disputada na Argentina.
O clima no dia seguinte foi terrível. O time viajou para Madrid e de lá voltou para o Brasil.
A lista com os nomes dos jogadores que ficou no acesso dos camarins do El Molinón ficou praticamente intacta. A exceção foi o repórter que mudou a passagem de volta, tinha incluído o nome dele como se fosse da delegação e assistou David Bowie ao vivo numa noite estrelada perto do mar e com performance de cerca de três horas inesquecíveis. Ele tocou as canções clássicas e também o repertório quase todo de Never Let Me Down.
Em tempo: o time da Espanha tinha o goleiro Zubizarreta, Rafa Paz, Michel, Nando e Emilio Butragueño, que foi ao mesmo show.
No dia 23 de setembro, no antigo estádio Palestra Itália, Bowie apresentou o mesmo espetáculo em São Paulo.