Juiz do Derby: “Vou tremer um pouco até o primeiro apito. Depois, jogo”
Luciano Borges
Thiago Duarte Peixoto será o árbitro do clássico entre Corinthians e Palmeiras, no domingo na nova arena corintiana. Ele foi sorteado na Federação paulista de Futebol, nesta quinta-feira. Mal viu o nome dele no site da FPF e já virou notícia por dois outros fatos: ele só apitou um clássico do Campeonato Paulista e apareceu na internet uma foto dele com o pai oferecendo uma camisa do Corinthians para a Santa Casa de Barretos.
O retrato foi tirado em 2011, depois que a mãe do árbitro, dona Neide, tinha morrido de câncer. A camisa foi para um leilão do hospital. “Ele fez uma boa ação. A Santa Casa conseguiu um bom valor com aquela camisa autografada. Fico me sentindo mal ao ver que estão usando isso para duvidar do caráter dele. O Thiago é exemplar”, disse Ivo Duarte, responsável pela captação de recursos do hospital barretense.
O barulho da foto não fez com que o coronel Marcos Marinho mudasse de ideia. “Não há a menor possibilidade do Thiago não apitar o jogo”, disse o diretor da comissão de arbitragem ao Blog do Boleiro.
Melhor para Thiago, um personal trainer pós-graduado que decidiu se tornar árbitro de futebol em 1999, quando ainda cursava o segundo ano da faculdade de educação física. “Precisava de uma grana para pagar a faculdade”, disse o juiz. Aos 36 anos, filho do ex-jogador Carlos, zagueiro da Ferroviária, Thiago é uma das novidades do apito paulista.
Este é o quinto ano de Thiago Duarte Peixoto como árbitro da primeira divisão do futebol paulista. É elogiado por Marinho (“Foi a revelação deste ano”). No ano passado, já no quadro da CBF, ele apitou oito jogos da Série A do Campeonato Brasileiro.
Em conversa por telefone, ele lamentou a história da foto (“Não posso ser crucificado por uma coisa que não fiz”), garantiu que não torce para nenhum dos times envolvidos e promete um trabalho disciplinador, mas que deixa o jogo rolar.
Blog do Boleiro – Em qual circunstância foi feita a foto?
Thiago Duarte Peixoto – Rapaz, a gente quer fazer coisas nobres e não vê a maldade das pessoas. Minha mãe faleceu de câncer em fevereiro de 2011. Ela foi muito bem tratada pela Santa Casa de Barretos, onde mora minha família. Um dia eu conversei com o Ivo Duarte, que capta recursos para o hospital, e perguntei como poderia retribuir. Ele falou em um leilão que eles fazem. Aí o goleiro Rafael (ex-Portuguesa), que é de Barretos e nosso amigo, nos conseguiu uma camisa do Corinthians autografada por jogadores. A gente doou. Foi muito legal na época. Eu nem fui atrás da camisa. Tenho várias que ganho, às vezes até no vestiário antes do jogos. Tenho do Palmeiras, Botafogo de Riberão e outros times.
Quando você soube que iria para o sorteio das semifinais?
Foi na segunda-feira, através do site da FPF.
Como você se sentiu?
Eu me senti muito, muito, muito feliz. É muita felicidade saber que o trabalho está sendo reconhecido. Eu fiz uma fase de classificação boa. Profissionalmente, é uma conquista a ser lembrada. E olha que era só por entrar no sorteio.
Pois é, e quando você soube que vai apitar Corinthians x Palmeiras?
De novo eu vi no site. Dei saltos, quase bati a cabeça no teto. Foi uma euforia, uma felicidade, uma emoção. Só não chorei porque árbitro não pode ser emotivo. Quis abraçar meu pai, minha mulher, minha irmão, todo mundo.
E depois?
Depois a ficha caiu. Tentei ficar comigo mesmo para refletir o que significa o jogo de domingo, o que esta missão significa para minha carreira. É um sonho realizado, mas é também uma grande responsabilidade. Se me deram esta tarefa é porque mostrei talento e o dom para ser árbitro. Quero apitar bem e que o jogo tenha um resultado justo.
Como você está se preparando?
Venho me alimentando bem, dormindo bem, ficando focado e, ao mesmo tempo, pensando que este é mais um jogo, um jogo importante. Mentalizo tudo o que me foi orientado na pré-temporada e na preparação. Amanhã (sábado) me concentro às 15h00 e vamos ter preleções, vídeos, como se fossemos jogadores.
Como é seu jeito de apitar?
Gosto de jogo bem jogado, jogo leal. As pessoas falam (e eu leio e escuto tudo) que sou árbitro que deixa jogar dentro do que se pode. Mas tenho autoridade para que a partida não descambe para a violência. Isso não é benéfico para ninguém. Gosto de disciplina.
O fato de você ter apitado apenas um clássico no Paulistão (Santos x Palmeiras) mostra algum tipo de risco?
Isso não é problema. No ano passado, apitei oito jogos na Série A do Campeonato Brasileiro. Não ouvi uma reclamação. Fui escalado até a 38ª rodada, o que mostra que fui bem. Só fiz um clássico estadual nesta temporada. Mas no ano passado apitei Flamengo e Internacional, no Maracanã, e Grêmio e Vitória, na Arena. Estes jogos me deram bagagem. Trabalhei em novos estádios, novas torcidas. E fui bem.
Você vai tremer?
Acho que até soar o apito, vou tremer um pouco. Mas depois do apito, jogo.
Seus parentes vão à Arena Corinthians para ver você trabalhar?
Não. Ir ao estádio não é prudente. Podem reconhecer alguém, meu pai, e pode ser perigoso. Eu tenho que me preocupar só com o jogo.
Você tem alguma superstição?
Tenho. Uma vez fui agredido num jogo de várzea em Barretos. Minha mãe queria que eu parasse de apitar. Mas não parei. Ela então me ensinou uma proteção que faço até hoje. Eu visualizo o anjo Gabriel e rezo assim: “Anjinho Gabriel me proteja. Me proteja na minha frente, proteja nas minhas costas, proteja no lado direito, proteja no lado esquerdo e por todos os lados”.
E funciona?
Nunca mais apanhei (risos). Pensei até em fazer uma tatuagem do anjo, mas acho que é uma violência com o corpo e não fiz.