Olhos abertos e ligado. Juiz da final não quer saber de provocações
Luciano Borges
Sexta-feira, Dia do Trabalho, Sorocaba (SP). Às oito horas da manhã, Guilherme Ceretta de Lima saiu de casa e iniciou uma corrida de dez quilômetros até a casa dos pais dele em uma cidade vizinha, Votorantim. Como sempre faz, ele não deu voltas nem correu em círculos. ''Eu dou uma trotadinha para tirar a adrenalina. Treino todo dia, menos no sábado, quando tem jogo domingo'', disse ao Blog do Boleiro o árbitro que vai apitar a final do Campeonato Paulista entre Santos e Palmeiras, na Vila Belmiro.
Amanhã, ele entra em regime de concentração num hotel em São Paulo, junto com os auxiliares. Neste sábado, eles verão vídeos analisando como jogam os finalistas, se fazem linha de impedimento, se têm jogadores que reclamam ou cavam faltas ou dão trabalho ao juiz. Ceretta diz que absorve as informações, mas vai para o jogo sem nenhum pré-julgamento. ''Entro preparado, mas não fico pensando que vai acontecer isso ou aquilo. Aí não acontece nada, você fica na tensão e não curte o momento do jogo'', afirmou.
Desde 2005, ele apita na primeira divisão do futebol paulista. É aspirante da Fifa. Apitou o clássico São Paulo e Corinthians em que Rogério Ceni marcou o 100º gol da carreira. É intrutor de futebol de um time da cidade de São Roque (SP), comandando o time Sub-20.
Numa conversa por telefone, Ceretta, empresário, professor, pedagogo e modelo de 31 anos, falou sobre como pretende trabalhar na Vila Belmiro e ainda contou detalhes do equipamento que usa em campo.
Blog do Boleiro – Quer dizer que você não corre em círculos?
Guilherme Ceretta de Lima – Eu não gosto de correr em voltas. Não corro em pista, por exemplo. Se vou correr 10 kms, peço para alguém me levar de carro até um ponto e volto correndo. E sempre faço um trajeto diferente. Se não, enjoa.
E o pessoal mexe com você?
Sempre tem alguém que mexe, que fala comigo, mas é de um jeito positivo. Tem aquele que pede para ajudar o time dele. Outros pedem para não roubar. Mas tudo em tom de brincadeira.
A concentração dos juízes é parecida com a dos times. Ajuda?
Ajuda bastante, mas é preciso ir para o jogo sem nenhuma predisposição. Não entro para o jogo achando que jogador A vai fazer isso ou aquilo. Se fizer isso, o árbitro acaba se dando mal. O negócio é ir lá e ver o que vai acontecer, minuto a minuto. A gente não pode errar no aspecto disciplinar.
Como se faz isso?
Eu entro para apitar com muita vontade de acertar. Eu vou pra dentro. O árbitro não pode ficar acuado. Não pode mostrar que tem medo. Se não avançam em cima. Tem que impor respeito para ser respeitado.
Aliás, esta semana nós tivemos um funk do Robinho, brincando com o Palmeiras, e uma resposta do Leandro. Este tipo de brincadeira pode refletir em campo?
Sabe o que acho? Tem muito mi mi mi no futebol. Os caras não podem fazer nada. Juiz de futebol não tem que saber de provocações fora de campo. Tem que entrar isento de tudo. Não pode ficar preocupado se um fez um declaração e outra fez outra. Acho até legal que os atletas façam isso para promover o jogo. Em campo, eles têm que ter respeito e está tudo bem.
Esta é a segunda final que você apita.
Verdade. Em 2013, trabalhei na final do Paulista, na Vila Belmiro também,. Santos e Corinthians empataram em 1 a 1. Não tive nenhum problema, nenhuma polêmica. Foi ótimo. É assim que tem que ser. O juiz tem que apitar o final da partida e ninguém falar dele.
Que material você vai levar para esta final?
O de sempre: apitos, cartões, relógios e o uniforme.
Quem fornece o uniforme?
A empresa que fornece o material para a Federação Paulista de Futebol. Em geral, ganhamos duas camisas, o calção preto e chuteiras. O resto é por nossa conta.
Que tipo de apito você leva?
Eu levo quatro apitos. Entro em campo com dois. Um é mais agudo e outro mais grave. Porque tem sempre aquele torcedor que leva um apito para confundir. Se o apito dele é agudo, eu mudo para o grave. Agora se o cara levar dois apitos, aí é sacanagem (risos).
Eles silvam ou trilam?
Silvam. Quer ouvir? (Ceretta assobia um silvo forte). Eu faço igual assobiando.
Quantos relógios?
Também levo quatro. Eu entro com um em cada pulso. Vai saber se a bateria de um deles acaba no meio do jogo. Em dez anos de arbitragem isso nunca aconteceu. Vai que acontece agora.
Cartões?
São de plástico, meio verde e meio vermelho. Eu compro personalizado, com meu nome e os escudos. Os que ainda tenho possuem um escudo da Copa do Mundo de 2014, outro da Conmebol, outro da FPF e da CBF. Atrás, para anotar o nome dos atletas advertidos, tem quadrados para preencher. Para anotar, uso lápis grafite 2.0, que são mais grossos. Meus cartões estão acabando porque sempre dou para quem pede depois dos jogos. O cara que vende para mim sumiu, acho que não faz mais.
Alguma superstição?
Nenhuma.
Para qual time você torce?
Se depender do que escrevem nas mídias sociais, eu torço para vários times grandes. Na verdade, eu gosto mesmo do Grêmio União Sanroquense, que é time amador e espero que nunca se profissionalize.
Como você vai entrar em campo domingo?
Ligado e com olhos bem abertos para ver tudo corretamente. Que cada um cuide do seu que vença o melhor. Fui sorteado. Sobrou para mim. É minha missão. Fiz um bom campeonato e quero passar despercebido. Quero ir para casa sabendo que fiz um bom jogo.