Blog do Boleiro

Os ‘causos’ de Bruno Peres no Torino: chinelos errados, sal no bolo e fama

Luciano Borges

Fotos: Blog do Boleiro

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Bruno Peres, 25 anos, é titular do Torino, time que terminou a última temporada do Campeonato Italiano em nono lugar. Está no clube desde o ano passado, quando foi contratado por seis milhões de reais. Anda em alta. Passa as férias no Brasil. Ele nasceu em São Paulo e tem casa em Santos. Afinal, jogou no Peixe de 2012 até seguir para a Itália.

Casado com  Camila e pai de Enzo, que nasceu há cerca de duas semanas, Bruno é um jogador brasileiro que precisou de pouco tempo para se adaptar em outro país. Teve que mudar o jeito de se vestir, aprender o idioma para não trocar ingredientes na cozinha, mudar um hábito de comer que vem desde criança. Na maior parte dos casos, ele teve que ceder.

Em outros momentos, o fato dele ser titular ajudou a impor a vontade. Acostumado com o clima descontraído no vestiário do Santos, sempre com música e risos antes da roda de oração e a entrada em campo, Bruno levou bronca quando usou fone de ouvidos e dançou no vestiário. Também foi admoestado porque batucava numa mesa do ônibus onde sempre viaja ao lado do atacante Amauri (brasileiro naturalizado italiano), o avante venezuelano Martinez e o meia marroquino El Kaddouri.

''Mas isso eu não mudei. Mostro que eu não preciso ficar sério, de cara fechada e em silêncio para ir focando no jogo. Eles acham que ouvir rap, pagode, é falta de respeito. Eu mostrei  que não é assim. Eu vou focando no jogo deste jeito, com alegria. Como eu ganhei moral no time, continuo fazendo a batucada, mesmo no jogo depois de uma derrota'', disse.

Bruno Peres se considera um embaixador do futebol brasileiro que, aliás, anda em baixa na opinião dos colegas de Torino. ''Eles comentam que o Brasil não está bem. Não é mais o futebol que eles temiam. Ainda acham que o brasileiro é muito bom de bola, mas já não põe medo'', contou.

A seguir, ''causos'', tropeços e fama de Bruno Peres na Itália.

CHINELO NO VENTILADOR

Logo nos primeiros dias no Torino, Bruno foi treinar vestido de acordo com o clima.

''Estava um calor de 35 graus. Como a gente faz no Santos, fui treinar vestindo uma camiseta regata, uma bermuda colorida e um par de chinelos de dedo. Eu percebi que os jogadores me olharam estranho, mas não achei que fosse por causa da roupa. Eu estava acostumado assim. Quando voltei do treino, a bermuda, a camiseta e os chinelos estavam pendurados nas pás de um ventilador que fica no teto. Ele ficava girando com a minha roupa. Aí os caras disseram: 'Você não pode vir aqui assim. Aqui você aparece de tênis ou sapato. Camiseta regata nem pensar. Quando muito uma camiseta fechada. Regata é falta de respeito''.

A partir daí, Bruno passou a caprichar no visual. Neste mês de junho, quando voltou ao Brasil para passar as férias, ele mostrou o novo ''look'' para os colegas do Santos. ''Eu vesti uma calça saco, bota com estilo, enfim, bem vestido. Os caras começaram a cornetar. Alugaram minha roupa. O Lucas Lima foi quem provocou mais. Mas o Alison deu moral''.

Sobre os chinelos de dedo: ''Ah não pode aparecer com eles  lá no Torino. Eles avisaram que na próxima vez iriam cortar os chinelos com a tesoura'', disse.

 

SAL NO LUGAR DO FERMENTO

''Fui com minha mulher, Camila,  ao supermercado. A gente queria comprar fermento para fazer um bolo. Como a gente não sabia a palavra em italiano, coloquei no dicionário do celular. Lá, bolo se chama torta. Aí mostrei a palavra para fermento e uma moça do mercado indicou que ele estava numa fila de prateleiras. A gente foi lá e achou. Era um pacote pequeno, parecia mesmo com fermento. Levamos para casa e ainda minha mulher comentou: 'Fácil né?''. Depois fizemos o bolo e ela colocou o fermento. Nada do bolo crescer. Ainda perguntei se ela tinha certeza que tinha colocado o fermento e ela garantiu que foram duas colheres. O bolo ficou achatado. Eu tive que experimentar porque minha mulher estava grávida do Enzo. O bolo estava salgado pra caramba! A gente tinha comprado sal''.

 

TRÊS PRATOS NUM SÓ

Bruno Peres levou um tempo para se acostumar com o costume dos italianos em fazer refeições com etapas separadas. ''Lá, o primeiro prato é o da salada. O segundo vem com a massa e o terceiro tem a carne. E eles comem assim, na sequência, sem misturar. No primeiro dia no CT do Torino, eu cheguei na mesa de comida e fui enchendo o prato: salada, massa, carne, tudo junto. Os caras arregalavam os olhos. Aí o Amauri deu o toque: 'Não pode comer tudo junto assim. Aqui é falta de respeito'. Eu disfarcei, peguei dois pratos vazios e passei o macarrão para um e a carne para outro''.

Mas este cuidado durou só até o lateral brasileiro ganhar moral no time. ''Hoje não quero nem saber. Encho o prato mesmo''.

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O GOSTO PELO MOLHO NA MASSA

''Uma coisa que aconteceu no começo foi minha dificuldade em comer macarrão com molho. Eu não comia nada com molho. Isso vem desde criança. Eu era muito mimado. Lembro que depois do primeiro treino no Torino, tinha espaguete com molho vermelho. Eu nem ia comer, mas pensei que se não colocasse energia, ia acabar desmaiando de tarde. Então, cada vez que eu dava uma garfada e ia pôr na boca, eu tapava o nariz com uma mão, meio no migué. Imagina a cara dos outros jogadores me vendo fazendo isso. Mas era para não ter vontade de vomitar. Hoje como tudo com molho. Mudei. Mas sempre levo um pacotinho de bolacha comigo''.

PREGO É DE NADA

''Eu fui ao restaurante com o Bernardo (ex-jogador e empresário) e ele tinha me ensinado a agradecer sempre. Então, cada vez que o garçom trazia alguma coisa eu fala 'Grazie', que significa muito obrigado. O problema é que para cada 'grazie' que eu falava, os caras respondiam 'prego'. Eu fui ficando invocado porque prego para mim é aquele cara meio bobão, que no surfe não consegue nem pegar onda. Aí ficou aquilo:'grazie' e 'prego'. Eu pensando: 'O cara está me tirando. Já me chamou de prego três vezes'. Comentei com o Bernardoi que deu risada e explicou que 'prego' é 'de nada' em italiano. Eu já ia dar uma gravata no garçom''.

RESTAURANTE BRASILEIRO COM STRIPPERS

''Então, eu levei a Camila para jantar num restaurante brasileiro em Turim. A gente foi naquela expectativa de comer uma comezinha daqui do Brasil. Estava indo bem. De repente, começou um show de strippers. Você acredita? Eu levo a mulher para jantar e aparecem umas brasileiras tirando a roupa. Aí a Camila só disse: 'Pede a conta'. Eu ainda quis maneirar: 'Amor, eu nem estou olhando'. Aí ela falou: 'Qual parte do vamos embora você não entendeu?'. Aí pedi a conta''.
TREINOS E TÁTICA: ''É DIFERENTE''

Bruno Peres é titular do Torino. Tem o apoio do técnico Giampiero Ventura. Na temporada 2014-2015 disputou 34 partidas e marcou três gols.

''Lá, assim que começa a semana de um jogo, você já recebe um vídeo e uma análise de como joga o time adversário e, no meu caso, como atua o lateral ou o ala esquerdo. Como ele sai para o jogo, para que lado dribla, se chuta, todos estes detalhes. E todo dia tem conversa sobre estas coisas. Tem também opções do que posso fazer em campo para surpreender o adversário. A gente pode perder um jogo porque o time adversário é mais forte, mas não porque a gente não sabia como ele joga''.

No Brasil, Bruno lembra que este tipo de informação era passado pára os jogadores, mas mais perto dos jogos. ''No Santos, o Muricy Ramalho fazia isso na sexta e no sábado'', falou.

A diferença é a intensidade de trabalho. ''Tática é muito trabalhada. Existe uma preocupação muito grande de como fazer a diagonal na defesa, como voltar rápido e recompor as linhas de quatro. Eles nos fazem aprender a ler o jogo para saber fazer cobertura, entender as ações dos adversários'', explicou.
UM GOLAÇO E A FAMA

No dia 30 de novembro do ano passado, o Torino foi derrotado pela Juventus por 2 a 1, no clássico de Turim. Nesta partida, Bruno Peres marcou um golaço aos 23 minutos. Roubou a bola no campo de defesa, disparou até a área adversária e acertou um chute indefensável. Foi o suficiente para deixar o jogador brasileiro com novo status no clube e na cidade.

''Ficou difícil andar na cidade. No dia seguinte, eu e a Camila fomos passear num shopping center, como a gente faz no Brasil. Eu fiquei 20 minutos atendendo os torcedores, tirando fotos, dando autógrafos. E lá não é como aqui. O brasileiro ainda deixa você comer antes de abordar você. Lá, o cara não está nem aí. Tivemos que voltar para casa''.

 

Bruno não reclama da fama. Pelo contrário. Ele descobriu que ela tem suas vantagens.

''Este gol abriu meu horizonte, Faltavam quatro rodadas para o final do primeiro turno. Eu vinha bem, mas este gol deu uma pancada. Até descobri que presente em italiano é regalo (na verdade, tem o sentido de agrado). Vou jantar e, na hora de pedir a conta, o dono vem e diz que é 'regalo'. A gente foi comprar roupa para bebê, pouco antes do Enzo nascer, e os vendedores nos deram três peças de 'regalo'. Está ficando bom''.